terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Tribunal do Santo Ofício

Poética do Cotidiano - ou seria só o metrô?
:: Ensaio


6:23hs: o metrô passa por entre os vãos da minha existência. Os ecos são os mesmos, as pessoas que caminham desse lado para aquele são as mesmas, a cor do semáforo se altera na mesma periodicidade. Transito pelo mesmo caminho, acordo com a mesma vontade de dormir mais, canto as mesmas músicas na mesma cadência de todas as coisas. O ontem passa por mim como se fosse agora, como se fosse o breve tão instantâneo que não chega: apenas se instala. Vem para brincar comigo, fazer das horas as cinzas da memória. E o que deveria se tornar amnésia transforma-se em inferência: posso, enfim, deduzir uma centena de possibilidades interessantes, desde por que o pecado é azul até qual a melhor conjunção para esta oração tornar-se perfeita. Meus textos, geralmente, não trazem tantas conjunções assim; justamente elas, que são os marcadores de leitura, sinalizando ao leitor a forma correta de compreensão do contexto, são escassas em cada parágrafo que escrevo. Talvez não seja meu intuito manipular a semântica, artifício esse muito sugestivo para os corações opressores. Quem sabe tudo não passe de uma ligeira deficiência que prima em compor frases distintas, inteligíveis na particularidade de ser ela própria e tão somente ela, sem relação alguma com as demais orações concorrentes. Com isso, meus textos não seriam algo maior que um rearranjo de fragmentos, ordenados no contexto ímpar que os unem e os separam. Uma sucessão de fragmentos que anulam/valorizam o outro, na continuidade do vir-a-ser o que já-se-foi. Escrever é um ato de tortura necessário: por isso, tenho preferido ler a escrever; decifrar o código com os olhos que, tal como no mito de Platão, enxergam sombras, silhuetas da realidade. O relógio ainda marca 6:23hs: se eu não me mover, vou pensar que já mudaram o referencial das coisas. Hora de reencontrar comigo mesmo.

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