sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Tribunal do Santo Ofício

))§(( Pássaro-poeta :: Pelicano

Por que o pelicano? Ora, o pelicano remete-me um conceito de ave singular, distinta e distante das outras aves. Seu vôo não é o dos mais graciosos, sua habilidade terrestre é insignificante e, mesmo voando em bandos, possui vida solitária, nidificando em ilhas em virtude do isolamento. Sobre a arte de escrever poesias, sinto-me um intruso, um ser pagão que incute a dúvida, que deturpa a castidade da palavra e, metalinguisticamente, atenta contra a grafema. Dissecar a beleza para encontrar a dor e a impossibilidade de se dizer tudo: eis meu ofício-suicídio.

+ Dos olhos do talvez - Inquisição de Almeida.

Se lhe derem Drummond, Bilac ou SailorMoon
não acredite nessa imprecisa consciência
nessa vaga coisa escrita amarrotada.

O melhor poema está não-escrito
expandido no interdito
do sujeito do cogito.

Escrever é parodiar a vida
e não compete à existência
ser pastiche de si mesma.


+ Psicografia - Inquisição de Almeida.

Degustar o silêncio
como recompensa
Escrever é perda
que não compensa

A Carne se faz Verbo
e ao erro está propensa
Escrever é perda
que não compensa

O verso delimita
uma vida imensa
Escrever é perda
que não compensa


Para cada rima, uma farsa
e à cada palavra, uma dor intensa
Escrever é perda
que não compensa


Silenciar o signo
com a alma extensa
Escrever é perda
que não compensa.



+ Regência calibre 22 - Inquisição de Almeida

atira
grita
lança
chama
anteporsobrecontradesdemedianteconformeporsegundo
atéperantesalvocomodevistoqueexcetoparaconsoante
regência calibre 22
jamais pise na grama


+ Ciranda antropofágica - Inquisição de Almeida

Atirei o pau no texto-to
mas o texto-to
não morreu-reu-reu
Dona Chica-ca admirou-se-se
do berro, do berro que o mestre deu:
- Boçal!

Fui na fonte do Tororó
buscar um verso, não achei
peguei o meu poema
e no Tororó deixei
Ô poema, ô poemazinho
fique nessa roda pra rimar sozinho.

Boi, boi, boi
boi da cara aberta
pega essa estrofe
que tem medo do poeta.


+ Cartas a Ana Cristina César - Inquisição de Almeida.

I
Mamãe limpa a geladeira como quem escova os dentes no escuro. Quase tudo brilhou ontem enquanto o meu pé fazia barulhos indecentes. Tentei dormir com o terno mas sobreveio-me muitas voltas pelo lençol já todo arrependido. Coisas de literatura e filosofia temperam o feriado. Mandei Lacan tomar no cu; deitei-me com Rimbaud de tal modo a confundir boca e perna com métrica e escapismo.
II
A máquina de datilografar começou a namorar comigo. Parentes enchem a casa de fofoca e isso inibe até o cio da gata. O vizinho desfez as sobrancelhas e eu ainda anseio em roubar placas e outras coisas. Chupo o sexo da máquina de datilografar e o máximo que ela geme é uma ou outra novena. Acabaram os cotonetes.
III
Gritei não sei quantos elogios para o ataque histérico da mulher da casa do lado. Talvez eu conte para eles que tudo não passou de uma mentira sádica. Não encontro mais nenhum talher por aqui.
IV
A melancolia trocou de roupa somente ontem, entre às 8 e 9 da noite. Quando tomo banho, sinto-me um devasso. Reli antigos artigos do tempo da sanfona e da gangorra. Meus joelhos estralam e cheiram a jambo. Quando meus colegas não me chamam de excêntrico, eu me chamo de pernóstico. Amanhã serei a véspera de mim mesmo.
V
Pedro insiste que deveríamos ter escondido o corpo em outro lugar. Não recebo cartas de ninguém. A calvície me incita a debochar dos cabelos de todo mundo. Ontem, ao engolir algumas espadas, cortei levemente o meu útero.
VI
Tive que devolver o terno justamente hoje. As aulas de História têm me dado muito sono. Acho que foi culpa. Pedro me machucou com a enciclopédia. Pediu-me desculpas mostrando-me o mamilo. Depois da autopsicografia, concluí: pedirei o divórcio.
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