Barraca de Sonetos do Tetzel
Soneto da Amargura - Inquisição de Almeida
Ah! se palavra alguma salvasse os homens!
se verbo algum resgatasse sua essência!
Tal verbo tão vago quanto sua existência
tão nada quanto o nada que o consome
O silêncio é a salvação deste mundo
O porvir é mudo e neste recrudesce
Toda a dor por si diz o que no coração se emudece
resignado no inútil profundo
A ti, ó Nada, minha alma chama
ouve-me, Altíssimo, das profundezas
Queres ver a dor que em meu peito inflama
ou há de emudecer-te em tua grandeza?
Amargura, sim, pois é o que clama
entre as vísceras da minha natureza
Soneto da Probabilidade - Inquisição de Almeida
De todo o meu amor dou-te esta lira
a mais inacessível se dedica
ao perto tão distante que me inspira
que tão nobre me aceita e me abdicas
Se o ter fosse esse amor que pronuncia
essa coisa latente desejada
sendo amor, por amor se renuncia
e sendo posse, faz-se tudo e nada
Posta no céu uma estrela em minha vista
logo me admiras ser contemplada
Há de estar mais bela quanto mais dista
uma vez não minha quando almejada
De repente, o nada, mais que se insista
foi meu no vão das coisas consumadas
Soneto ao Inexprimível - Inquisição de Almeida
Vejam, bardos: este soneto é uma mentira
subjugou minha alma na cadência da prece
este ritmo mistifica, mas não esclarece
quanto mais obscurece, mais se torna lira
A dissonância do espírito, em demasia
torna-se uma ruptura, com tamanha pressa
que a alma fala, sim, fala, mas jamais se expressa
dos versos taciturnos faz-se poesia
Este verso dodecassílabo impreciso
é tão somente preciso por sua métrica
Vede: nele não há a paixão da qual preciso
Expurgados pela alma lírica profética
tão logo este nada que digo será inciso
à inacessível e inatingível forma estética
Soneto da Morte - Inquisição de Almeida
Vem, ó doce morte, até quem te invoca
Restaura pela umidade essa essência
Vem, e que sensação em mim provoca!
idiossincrasias desta existência.
Sob o véu de mistério faz-se pura
a morte perfumada tão temida
Vem rompendo as antigas ataduras
que outrora cubriam chagas de vida
O acalanto da morte é o que me leva
ao centro do intermédio que me espera
onde o âmago da alma não mais se eleva
Do ser ao porvir, e morrer, deveras
transpor o nada que não é luz nem treva
para enfim acordar na estratosfera
Soneto do Não-Silêncio - Inquisição de Almeida
Se tudo que bem falo fosse tudo
- ah, se esse tudo fosse sereno...
eu queria ser tudo e ser pequeno
ser pequeno enquanto tudo, contudo
Qual tudo que se fala se faz mudo
como um quase dizer de reticências
que faz do anacoluto uma existência?
- o poeta é um nada que diz tudo
Mas não dá pra dizer tudo - que sina!
e não ser tudo é ser nada - problema.
Nessa lacuna o bardo se fascina
pois deixa de ser nada na grafema
Sê tudo na palavra pequenina,
um tudo bem maior que esse dilema.
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sábado, 2 de fevereiro de 2008
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