sábado, 2 de fevereiro de 2008

Tribunal do Santo Ofício

Barraca de Sonetos do Tetzel

Soneto da Amargura - Inquisição de Almeida

Ah! se palavra alguma salvasse os homens!
se verbo algum resgatasse sua essência!
Tal verbo tão vago quanto sua existência
tão nada quanto o nada que o consome

O silêncio é a salvação deste mundo
O porvir é mudo e neste recrudesce
Toda a dor por si diz o que no coração se emudece
resignado no inútil profundo

A ti, ó Nada, minha alma chama
ouve-me, Altíssimo, das profundezas
Queres ver a dor que em meu peito inflama

ou há de emudecer-te em tua grandeza?
Amargura, sim, pois é o que clama
entre as vísceras da minha natureza

Soneto da Probabilidade - Inquisição de Almeida

De todo o meu amor dou-te esta lira
a mais inacessível se dedica
ao perto tão distante que me inspira
que tão nobre me aceita e me abdicas

Se o ter fosse esse amor que pronuncia
essa coisa latente desejada
sendo amor, por amor se renuncia
e sendo posse, faz-se tudo e nada

Posta no céu uma estrela em minha vista
logo me admiras ser contemplada
Há de estar mais bela quanto mais dista

uma vez não minha quando almejada
De repente, o nada, mais que se insista
foi meu no vão das coisas consumadas

Soneto ao Inexprimível - Inquisição de Almeida

Vejam, bardos: este soneto é uma mentira
subjugou minha alma na cadência da prece
este ritmo mistifica, mas não esclarece
quanto mais obscurece, mais se torna lira

A dissonância do espírito, em demasia
torna-se uma ruptura, com tamanha pressa
que a alma fala, sim, fala, mas jamais se expressa
dos versos taciturnos faz-se poesia

Este verso dodecassílabo impreciso
é tão somente preciso por sua métrica
Vede: nele não há a paixão da qual preciso

Expurgados pela alma lírica profética
tão logo este nada que digo será inciso
à inacessível e inatingível forma estética

Soneto da Morte - Inquisição de Almeida

Vem, ó doce morte, até quem te invoca
Restaura pela umidade essa essência
Vem, e que sensação em mim provoca!
idiossincrasias desta existência.

Sob o véu de mistério faz-se pura
a morte perfumada tão temida
Vem rompendo as antigas ataduras
que outrora cubriam chagas de vida

O acalanto da morte é o que me leva
ao centro do intermédio que me espera
onde o âmago da alma não mais se eleva

Do ser ao porvir, e morrer, deveras
transpor o nada que não é luz nem treva
para enfim acordar na estratosfera

Soneto do Não-Silêncio - Inquisição de Almeida

Se tudo que bem falo fosse tudo
- ah, se esse tudo fosse sereno...
eu queria ser tudo e ser pequeno
ser pequeno enquanto tudo, contudo

Qual tudo que se fala se faz mudo
como um quase dizer de reticências
que faz do anacoluto uma existência?
- o poeta é um nada que diz tudo

Mas não dá pra dizer tudo - que sina!
e não ser tudo é ser nada - problema.
Nessa lacuna o bardo se fascina

pois deixa de ser nada na grafema
Sê tudo na palavra pequenina,
um tudo bem maior que esse dilema.

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