sábado, 2 de fevereiro de 2008

Tribunal do Santo Ofício

Sobre essa tal de alteridade

Finalmente a corrida presidencial estadunidense conseguiu se tornar interessante. Não mais pelo fato de o mundo assistir em total expectativa a escolha do próximo representante da dominação e influência dos Estados Unidos mas pela presença, em especial, de dois candidatos que representam dois segmentos discriminados e reprimidos durante séculos não só por lá mas como em quase todas as sociedades, infelizmente. À medida que se destacam nas eleições norte-americanas, Barack Obama e Hillary Clinton, ambos do Partido Democrata, acabam por demostrar o importante papel do negro e da mulher no plano social, político e econômico na atualidade, além de evidenciar a posição de destaque que atingiram após séculos de luta e de reivindicações.

A compreensão desse contexto, que no mínimo pode resultar no primeiro presidente negro ou na primeira presidenta dos Estados Unidos, implica em uma mudança de pensamento e de posicionamento sobre a forma como tentamos entender e nos relacionar com o próximo e com quais tipos de pré-conceitos ainda sustentamos nossas relações sociais. É justamente aqui que surge a alteridade.

A alteridade é a capacidade de se colocar no lugar do outro na relação interpessoal, com consideração, valorização, identificação e diálogo com o outro. É ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença, contemplando-a em todas as suas nuances. Infelizmente, a nossa tendência é colonizar o outro, ou partir do princípio de que eu sou melhor e você é pior; eu sei e ele não sabe; eu sei melhor e sei mais do que ele. Quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem e maior é a discrepância que se estabelece entre grupos e camadas sociais julgados erroneamente como "minorias".

Em tempos de intolerância, de desamor, de rancores, de pusilanimidades e de barbáries, a prática da alteridade reverteria a consciência das pessoas para os valores essenciais e intrínsecos ao bem coletivo. Da alteridade surge o conceito de cidadania e, desta, surgem a percepção de respeito e de não-discriminação do caráter do que é outro, diverso. Pela relação alteritária é possível exercer a cidadania e estabelecer uma relação pacífica e construtiva com os diferentes, na medida em que se identifique, se entenda e se aprenda a aprender com o contrário.

A alteridade se conecta aos relacionamentos tanto entre indivíduos como entre grupos culturais, religiosos, científicos e étnicos, embora não deva se restringir somente à compreensão da importância do negro, da mulher, da criança, do homossexual, do idoso, do índio etc, mas também à formação de uma convivência baseada na aceitação do outro, na diversidade e na pluralidade. Quanto à eleição norte-americana, basta torcer para que não haja novamente nenhuma recontagem de votos fradulenta, que chame a atenção de todos, outra vez, para o lado perverso e corruptível do homem.

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