segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Tribunal do Santo Ofício



A coisa mais próxima de um estupro é um vernissage. A UFMG não é o meu país. A Folha de São Paulo não é o meu país. Nenhuma universidade é o meu país. Nenhuma curadoria, nenhum novaiorque define o perfil do meu país. O meu quintal é o meu país. A universidade bebe leite do caminhão. Eu vou direto na vaca. Arte é atitude, auto-retrato, perdas alquímicas, pequenas mortes. Faço arte para não tomar choque. A pintura é puta. Um artista só dispõe na verdade de sua origem e de suas magníficas deficiências. Esse é o seu inventário. Duchamp está para a pós-modernidade assim como Cristo está para o cristianismo. O cristianismo é a banalização de Cristo. 50% meu com 1000 seu. Não existe ética na dor. Poesia é alguma coisa que o poeta punhetou. Amor é como mágica: você sabe que é mentira e você não sabe onde a mentira está. Arte é uma máquina de fuder olhos. Deus é uma ilusão de semiótica. Metrô é confidente de desejos e meio de transporte que independe de referencial: tanto dentro quanto fora a vida sempre passa do outro lado. A mim basta ser o excesso de mim mesmo, autor e consumador do meu melhor divórcio.


Sobre Terezinha de Jesus


Certa vez me perguntaram se a história de Terezinha de Jesus era verídica. Como parte da cultura popular, seu teor folclórico sobrepõe-se a qualquer vestígio de verossimilhança; logo, deduzi que Terezinha poderia ter sido uma Maria, uma Dalva ou até um Francisco, para soar mais moderno. A resposta poderia ser assim tão simples caso eu não me impusesse o dever de pesquisar mais sobre a referida mulher, tão lembrada nas cantigas infantis. Chico Buarque já apresentou sua paráfrase de "Terezinha de Jesus", de modo a retratá-la como um arquétipo de mulher, que sonha, que se emociona, que quer se valorizada e que tem plena consciência sobre sua condição de mulher. Sob o ponto de vista de Terezinha, o autor analisa como esta contempla aqueles que lhe socorrem, evidenciando um certo ar de alteridade, determinando o discurso sob a voz da mulher e do desvendamento do processo de amadurecimento sexual dela.


"Teresinha" - Chico Buarque.

O primeiro me chegou
Como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia
Trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio
Me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada
Que tocou meu coração
Mas não me negava nada
E assustada eu disse não.

Se Terezinha de Jesus realmente existiu, ela poderia ser assim, da forma que Chico Buarque a retratou. Ao menos eliminiria a visão frágil e desamparada de Terezinha de Jesus que a canção popular sugere. Tomando a intertextualidade como princípio, elaborei minha versão para "Terezinha de Jesus" que, ironicamente, não tem muita relação com Jesus, de acordo com minha paráfrase.

"Terezinha de Jesus" - Inquisição de Almeida.

Terezinha de Jesus
pôs-se a rezar o rosário
com o corpo ante a cruz
chamou Deus de vil otário
Aboliu os seus pecados
renegou sua salvação
e ao anjo renegado
entregou seu coração
Acordou da letargia
tão feliz pôs-se de pé
fez da morte, liturga
quando perdeu sua fé
Terezinha de Jesus
proclamou a perdição
afastando-se da luz
conclamava a Inquisição
O primeiro foi seu pai
o segundo, seu irmão
à fogueira também vai
quem Tereza deu a mão
Tendo a fé em seu custódio
não se fazia profana
crendo em Deus com tanto ódio
se tornava mais humana
Da igreja fez hospício
e do padre fez amante
desse novo Santo Ofício
fez da hóstia um purgante
A ignorância surge
da cabeça alienada
aos cegos o que mais urge:
Terezinha excomungada
Terezinha na fogueira
como bruxa e mulher
não, não será a primeira
questionadora da fé



Descanse em paz, Terezinha de Jesus.


(Contra)Reforma Ortográfica

Não, não querem que eu use a coifeusse. Querem que eu use a penteadeira. O abajour vai sumir do meu quarto. Mas a pior das despedidas será a do trema. Já o vejo em um esquecido jazigo, em alguma gramática qualquer meramente histórica. Vão parar a Flor do Lácio no tempo. Não, é só um teste para verificar se o que aconteceu com o latim vai acontecer conosco. Algumas alterações na Língua de um país não acarretam quase nenhuma conseqüência, digo, consequência. Basta lembrar que tais reformas são baseadas em questões políticas, em atos que reatam os laços colonizadores, segurando-nos pela língua, literalmente. Pior é se tais mudanças fossem pelo uso da linguagem, pelas intervenções que o cotidiano atribui ao grupo lexical de um idioma. Sim, esqueçamos que falamos brasileiro. Voltemos à gramatiquinha lusitana, ora pois. Papo bom é ficar questionando a linguagem da internet, esse atentado à pureza da palavra. Onde estará a solução? Na barriga do gorila (Macunaíma que nos ajude).


*foto de "Poema", de Joan Brossa + http://www.joanbrossa.org/



Fluxo de Consciência


Há muito o que se esperar da vida mas a vida não espera ela só alcança e eu só me canso. Talvez só o muito dessa vida é que espera ser muito, como algo muito esperado que quando não se alcança se cansa de ser muito pra se esperar. Tanto muito e pouca espera. Quem alcança sempre cansa. Às vezes quero ser a caixinha de música do João.


Abaixo todo e qualquer tipo de moralismo. Viva a Inquisição do desbunde.

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