sexta-feira, 25 de abril de 2008

Tribunal do Santo Ofício

Poética das Ruas
As interferências artísticas como um gênero textual urbano
por Jorge Miranda / Inquisição de Almeida
Não é de hoje que a produção artística, em suas múltiplas manifestações, vem questionando não só o papel mas o lugar da arte em uma sociedade. Apoiada pelas vanguardas do início do séc. XX e, sobretudo, pela contracultura das décadas de 60/70, a ruptura com o academicismo impulsionou a difusão da arte em meios onde até então não seria assim reconhecida, como as ruas, por exemplo. Desse movimento de dessacralização da estética e da produção artística surgiram muitos movimentos, dentre os quais se destacam as interferências urbanas.

Designa-se como interferência qualquer recurso artístico que intervenha em um espaço público de modo a promover, por meio da crítica ou do humor, a ruptura com a linguagem urbana "de concreto" das grandes cidades e seus signos de imposição da ordem e da conduta. Dada a sua concepção, não só como recurso artístico mas como peculiar veículo de comunicação, uma interferência pode - e deve, por que não - ser avaliada como um gênero textual urbano. Em síntese, tais interferências são geradas sob a forma de pixações, grafites ou panfletos/colagens / bricolagens (linguagem verbal e não-verbal), que evidenciam uma estética fortemente influenciada pelo Concretismo e pela Poesia Marginal, tanto pelo apelo visual e posição espacial da palavra quanto pelo caráter anti-acadêmico.

Permeadas, na maior parte das vezes, por uma linguagem irônica e cômica, elaborada por meio de pastiches e paródias de elementos da cultura de massa (que remetem ao movimento Kitsch), as interferências possuem caráter inteligível, o que permite, quando devidamente avaliada, ter compreensão equivalente a um texto. Apesar de que, em algumas obras, verifique-se uma atmosfera niilista, na qual a arte é desprovida de mensagem e de nexos de compreensão: está lá por estar, para ser vista e pronto, isenta da necessidade de conceituação e interpretação. Ceci n'est pas une pipe?

Ao ser exposta nas ruas e ocupar espaços públicos, uma interferência urbana desvia o olhar comum dos transeuntes para outras possibilidades de expressão não vinculadas à linguagem cinzenta e comercial das grandes cidades. Além disso, uma interferência nunca se apresenta como obra final, pronta. Ironicamente, graças à exposição pública, tal obra está à mercê da ação do sol, da chuva, da poluição, de pessoas, vândalos e outros artistas / interventores. Todo esse processo agrega um valor característico único, uma vez que nenhuma interferência receberá o mesmo acabamento que outra.

Por esse motivo, perceba-se o quão são fugazes e passageiras a permanência dessas interferências artísticas em espaço público. Dentro dessa análise, vê-se um aspecto paradoxal da difusão dessas obras: a necessidade de registro e catalogação da produção de interferências urbanas em função da baixa vida útil que possuem em contraste com seu caráter marginal, que não almeja o reconhecimento tampouco a eternidade mas, talvez, cumprir irreversivelmente seu último intento: desaparecer para sempre como forma reacionária de ser/fazer arte.

As interferências apresentadas abaixo ainda estão em Belo Horizonte. Todos os créditos aos seus idealizadores, sejam individuais ou grupos de produção artística que, julgo, por ideologia, preferem o anonimato às luzes da ribalta.























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